13.9.05

Confissões de um comedor de carpete

O controle -- que era o que me restava, e só o que me restava -- foi-se embora no momento exato em que senti aquele cheiro.

Eu fora um menino de posses e amores lá na Estância do Porto Alegre. Quando vim pra cá, vim com as roupas, os livros e plantei as flores. Mas as roupas não são nossas -- são dos outros, que nos fazem vesti-las para se protegerem de nós mesmos. Os livros e as flores nos pedem tempo -- de lê-los, de regá-los.

O tempo me permitia usar o litrão de água Petrópolis para molhar os gerânios pendentes na floreira, que ficava defronte do par de poltronas em que eu lia (atirado numa, apoiava os pés na outra).

Mas o carpete, com seu cheiro viciante de cola, me tirou o tempo. Passei a me dedicar a ele, só a ele, com o zelo de uma empregadinha de Balzac. Com coração simples, primeiro rondava-o, sentindo seu cheiro, que me entrava pelas narinas, mas me provocava uma sensação intensa que rasagava a garganta. Quanto mais cheirava, mais intensa a relação -- acordava eu no dia seguinte com a sensação de ter engolido um texugo. Ou um guaxinim.


Até o dia em que não bastou cheirá-lo. Tive que mordê-lo. E então senti os pedacinhos de terra na boca, o pó grudando nos lábios, uma comichão no nariz causada pelos ácaros.

Foi assim que meu vício começou.

(fim pro primeiro capítulo)

Comments:
Gaúcho não cheira cola, come carpete
 
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